Trabalhando a crônica em sala de aula: “Direito dos burros”, de Machado de Assis

Joilda Alves de Oliveira (UFS)

Kely de Carvalho Oliveira (UFS)

 

Identificação

Esta sequência didática é resultado da disciplina de Literatura Portuguesa III, ministrada pela profª. Dra. Jeane de Cássia N. Santos, na Universidade Federal de Sergipe, campus Prof. Alberto Carvalho, Itabaiana/Sergipe.

Introdução

Nesta sequência didática trabalhamos com o gênero textual crônica, que se caracteriza por ser uma narrativa breve, com linguagem geralmente simples, tratando de acontecimentos do cotidiano. Muito utilizado por colunistas de jornais e revistas, sendo também tradicional entre os grandes nomes da literatura brasileira, como Machado de Assis. O nosso objetivo ao trabalhar com o gênero crônica é tornar mais acessível e dinâmico o trabalho com a literatura em sala de aula, trabalho que diversas vezes é enfadonho e monótono. Desse modo, utilizando um gênero mais acessível aos alunos, almejamos despertar o interesse pelo estudo do texto literário. Tendo como base as ideias de Cosson:

Na leitura e na escritura do texto literário encontramos o senso de nós mesmos e da comunidade a que pertencemos. A literatura nos diz o que somos e nos incentiva a desejar e expressar o mundo por nós mesmos. E isso se dá porque a literatura é uma experiência a ser realizada. (COSSON, 2011, p.17)

 

Sequência didática

Objetivo geral: Proporcionar o conhecimento e a leitura do texto literário.

Objetivo específico: Desenvolver o prazer pela leitura literária utilizando o gênero textual crônica.

Público alvo: 9º ano (Ensino fundamental).

Número de aulas: 5 aulas de 50 minutos.

1. Motivação

Aula 1 – Iniciar uma discussão com os alunos sobre maus tratos a animais

A professora deve fazer a divisão dos alunos da turma em grupos, de acordo com o número de alunos, depois, fazer perguntas direcionadas a cada grupo. Indagando sobre o conhecimento da turma acerca dos maus tratos, buscando a opinião de cada grupo sobre o tema. Em seguida, a professora deve apresentar o vídeo da música “Gato e sapato” da cantora Patrícia Marx, que aborda a temática dos maus tratos em animais. Finalizada a discussão, cada grupo cria um slogan contra os maus tratos em animais. Todos os grupos devem fazer a leitura de suas ideias para a turma.

Questões para o debate sobre os maus tratos:

  • Antes dessa aula você já tinha ouvido falar sobre maus tratos em animais? Comente sobre.
  • Já soube de algum caso próximo a você?
  • Como você reagiria diante da situação de presenciar alguém maltratando um animal?

Vídeo da música: https://www.youtube.com/watch?v=ecv1iMi6JiM

Materiais: data show, computador, folha de papel A4.

Objetivos

  • Proporcionar o conhecimento e a troca de ideias sobre a temática dos maus tratos em animais;
  • Refletir e formar opinião sobre o assunto, além de perceber sua importância e aplicação no cotidiano.

2. Introdução

Aula 2 – O que é o gênero textual crônica?

Inicialmente, indagar a turma sobre o que é uma crônica, se já conheciam ou já tinham ouvido falar. Em seguida, apresentar uma definição breve do gênero textual crônica, seus primordiais aspectos. Feito isso, pedir para que a classe mencione duas principais características apresentadas, que são referentes à crônica. Em seguida, a professora deve responder eventuais dúvidas.

Questões sobre o gênero textual crônica:

  • Vocês já leram ou escreveram uma crônica? Comente sobre;
  • Cite duas principais características de uma crônica.

Após apresentar o gênero textual, que será trabalhado em sala, a professora apresenta o autor e a obra. Assim, inicialmente fala sobre o autor: Machado de Assis, atendo-se a informações importantes sobre a vida e obra dele, por exemplo, que se trata de um grande escritor da literatura brasileira, suas obras em grande parte fazem parte do movimento literário Realismo. Foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Inferindo também os conhecimentos dos alunos, se já o conheciam ou leram alguma obra. A partir disso, pede que cada aluno elabore um pequeno período, explicitando com suas palavras o que é uma crônica, em seguida cada um deve ler o que escreveu. Feito isso, o foco será o livro onde está disponível a crônica que será trabalhada, Fuga do hospício e outras crônicas, neste livro está inserida a crônica: “Direitos dos burros”, que será o objeto das próximas aulas. A professora deve falar um pouco sobre o livro e como ele foi formado, sendo que é um conjunto de textos que estavam avulsos e foram reunidos se tornando um livro que apresenta temáticas do cotidiano. Contendo textos irônicos, engraçados, ficcionais, mas que não deixam de ser permeados por questões ligadas à realidade.

Objetivo

  • Conhecer e identificar o gênero textual crônica.

3. Leitura

Aula 3 – Preparação para a leitura da crônica – contextualização com poema

Antes de partir para a leitura da crônica, a professora apresenta para a classe o poema: “O bicho” de Manuel Bandeira, fazendo uma correlação com a aula 1, onde foram discutidos os maus tratos em animais, e com a aula 2, onde foi apresentada a definição do texto literário crônica.

Desse modo, trazendo mais um exemplo de texto literário, o poema, que tem uma temática pode ser aproximada ao assunto da crônica que será trabalhada adiante. A questão de animais que sofrem maus tratos; pode ser aproximada às condições de vida de pessoas que vivem na rua como animais, isso é retratado no poema. Ambos os textos, poema e crônica se tornam próximos, no primeiro o homem vira animal (zoomorfização) e no segundo o animal é personificado. Sendo assim, ambas as personagens dentro dos textos continuam sem alternativas na vida e subjugados principalmente por questões sociais. A professora deve fazer a leitura do poema para a turma, e de forma breve iniciar uma pequena discussão que antecipe algumas questões que serão abordadas na leitura da crônica de Machado.

Questões para troca de ideias sobre o poema:

  • O bicho colocado dentro do poema é de fato um animal?
  • Comente sobre a zoomorfização do homem no poema;
  • Qual sentido é alcançado quando um homem é colocado na condição de animal?

Anexo 1

O bicho – Manuel Bandeira

Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.

 

Quando achava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

 

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

 

O bicho, meu Deus, era um homem.

 

Leitura da crônica: “Direitos dos burros”- Machado de Assis

A primeira leitura da crônica deve ser feita de modo individual por cada aluno, o professor disponibilizará cópias do texto ou vai com a turma até a biblioteca da escola procurar exemplares do livro que contenham o conto. Todos devem ler o livro, ou uma cópia do texto. A leitura deve ter o tempo determinado pela professora, tempo que não deve ser muito longo, a depender da turma um dia será suficiente. Depois de feita a primeira leitura, solitária, será feita uma segunda leitura, agora coletiva, na qual cada aluno lê um parágrafo do texto. A professora deve perguntar quem tem interesse em fazer parte da leitura coletiva, ou pode fazer um sorteio com os nomes dos alunos. Durante a leitura, atentar para o desempenho dos alunos, dificuldades na leitura ou em determinadas palavras, entonação e clareza, para auxiliar na leitura e suas dificuldades.

Após a leitura do conto, a turma dividida em grupos deve procurar no texto palavras desconhecidas ou enunciados que não foram bem compreendidos. Cada grupo deve citar ao menos três passagens ou palavras. Em seguida, a professora com a ajuda de um dicionário, além de seus conhecimentos sobre o texto, deve conduzir os alunos a elucidar as dúvidas que surgirem.

OBS: crônica anexada (anexo 2).

Materiais: Livros, ou cópias da crônica, dicionário.

Objetivos

  • Interação e troca de ideias dentro da aula;
  • Aperfeiçoar a leitura e torná-la algo ainda mais positivo.

 

4. Interpretação

Aula 4 – Interpretação do texto literário

Feita a leitura da crônica, é o momento de inferir sobre o sentido do texto para os leitores, a turma, seus possíveis sentidos e interpretações, apontando pontos importantes. A turma pode citar passagens que mais chamaram a atenção, a professora pode indagar o porquê, pedindo para que os alunos justifiquem suas escolhas. Além de discutir pontos importantes, que são colocados nas entrelinhas do texto. Por meio de metáforas e alegorias, explicando a utilização de recursos literários que estão presentes no texto. Tratar dos temas principais como: os maus tratos a animais; descriminação com as classes desfavorecidas; os direitos de uma forma ampla de animais e humanos. Comentar a escolha de um burro como representação, e qual seu sentido e efeito. Além de indagar sobre o valor positivo das aulas aplicadas, seus efeitos na classe, exemplificar que a literatura e suas temáticas pode se aplicar ao nosso dia-a-dia, pois se trata de algo ligado às vivências humanas.

Questões para troca de ideias sobre: “Direitos dos burros”

  • A escolha de um burro para ser personagem central chama nossa atenção, por quê?
  • Qual o ponto mais complexo na leitura do texto?
  • A personificação do animal burro pode ter muitos efeitos de sentido, comente sobre algum, no seu ponto de vista.
  • Comente sobre a questão dos direitos, de animais e humanos. Relacionados à crônica, contextualizando com a vida em sociedade.

Objetivos

  • Despertar o gosto pela literatura;
  • Conscientizar sobre o poder formador da leitura literária proporcionando conhecimentos diversos.

Aula 5 – Atividade de conclusão

Após todas as etapas mencionadas, a professora deve verificar se a turma conseguiu acompanhar e absorver o conteúdo que foi ministrado. Executando uma

atividade que conclua o ciclo realizado. Uma sugestão de atividade é a elaboração de uma crônica, já que se trata de uma narrativa breve e geralmente aborda assuntos cotidianos. A atividade busca aferir e desenvolver ainda mais conhecimento na turma. Por meio da elaboração da crônica, verificar se as características e estrutura da crônica foram assimiladas, além de propor e realizar uma atividade diversificada. Sendo possível avaliar também a escrita e a criatividade de cada aluno, a leitura e escrita sendo apresentadas como algo prazeroso e não só como obrigação. A temática é os maus tratos aos animais, delimitando a extensão do texto, que não ultrapasse vinte e cinco linhas. Solicitando que os alunos entreguem seus textos, depois de elaborados, após o recebimento fazer uma correção, comentando os equívocos. Comentários a fim de estimulá-los a melhorar, sem menosprezo ou diminuição, as dez crônicas mais interessantes devem ser selecionadas para leitura em sala.

REFERÊNCIAS

ASSIS, Machado de. Fuga do hospício e outras crônicas. Para gostar de ler. 2ª Edição. São Paulo: Ática, 2002.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. 2ª Ed. São Paulo: Contexto, 2011.

Patrícia Marx e Sergio Sá. Gato e sapato. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ecv1iMi6JiM Acesso em: 10 abr. 2017.

Wilberth Salgueiro. O bicho de Manuel Bandeira. Disponível em: http://rascunho.com.br/o-bicho-de-manuel-bandeira/ Acesso em: 10 abr. 2017.

 

Anexos

Anexo 2 – “Direito dos burros” – Machado de Assis

Ontem de manhã, indo ao jardim, como de costume, achei lá um burro. Não leram mal, não, meus senhores, era um burro de carne e osso, mais osso que carne. Ora, eu tenho rosas no jardim, rosas que cultivo com amor que me querem bem, que me saúdam todas as manhãs com os seus melhores cheiros, e dizem sem pudor coisas mui galantes sobre as delícias da vida, porque eu não consinto que as cortem do pé. Hão de morrer onde nasceram.Vendo o burro naquele lugar, lembrei-me de Lucius, ou Lucius de Tessália, que, só com mastigar algumas rosas, passou outra vez de burro a gente. Estremeci, e – confesso a minha ingratidão – foi menos pela perda das rosas, que pelo terror pródigo. Hipócrita, como me cumpria ser, saudei o burro com grandes reverências, e chamei-lhe Lucius. Ele abanou as orelhas, e retorquiu:

– Não me chamo Lucius.

Fiquei sem pinga de sangue; mas para não agravá-lo com demonstração de espanto, que lhe seriam duras, disse:

– Não? Então o nome de Vossa Senhoria…?

– Também não tenho senhoria. Nomes só se dão a cavalos, e quase exclusivamente a cavalos de corrida. Não leu hoje telegramas de Londres, noticiando que nas corridas de Oaks venceram os cavalos Fulano e Sicrano? Não leu a mesma coisa quinta-feira, a respeito das corridas de Epsom? Burro de cidade, burro que puxa bond ou carroça não tem nome; na roça pode ser. Cavalo é tão adulado que, vencendo uma corrida na Inglaterra, manda-se-lhe o nome a todos os cantos da terra. Não pense que fiz verso: às vezes saem-me rimas da boca, e podia achar editor para elas, se quisesse; mas não tenho ambições literárias. Falo rimado, porque falo poucas vezes, e atrapalho-me. Pois, sim senhor. E se sabe quem é primeiro dos cavalos vencedores de Epsom, o que se chama Ladas? É o próprio chefe do governo, lord Roseberry, que ainda não há muito ganhou com ele dois mil guinéus.

– Quem é que lhe conta todas essas coisas inglesas?

– Quem? Ah! meu amigo, é justamente o que me traz a seus pés, disse o burro ajoelhando-se, mas levantando-se a meu pedido. E continuou: Sei que o senhor se dá com gente de imprensa, e vim aqui para lhe pedir que interceda por mim e por uma classe interira, que devia merecer alguma compaixão…

– Justiça, justiça emendei eu com hipocrisia e servilismo.

– Vejo que me compreende. Ouça-me; serei breve. Em regra, só se devia ensinar aos burros a língua do país; mas o finado Greenough, o primeiro gerente que teve a companhia do Jardim Botânico, achou que devia mandar ensinar inglês aos burros dos bonds. Compreende-se o motivo do ato. Recém chegado ao Rio de Janeiro, trazia mais vivo que nunca o amor da língua natal. Era natural crer que nenhuma outra cabia a todas as criaturas da terra. Eu aprendi com facilidade.

– Como? Pois o senhor é contemporâneo da primeira gerência?

– Sim, senhor; eu e alguns mais. Somos já poucos, mas vamos trabalhando. Admira-me que se admire. Devia conhecer os animais de 1869 pela valente decrepitude com que, embora deitando a alma pela boca, puxamos os carros e os ossos. Há nisto um resto da disciplina, que nos deu a primeira educação. Apanhamos, é verdade, apanhamos de chicote, de ponta de pé, de ponta de rédea, de ponta de ferro, mas é só quando as poucas forças não acodem ao desejo; os burros modernos, esses são teimosos, resistem mais à pancadaria. Afinal, são moços.

Suspirou e continuou:

– No meio de tanta aflição, vale-nos a leitura, principalmente de folhas inglesas e americanas, quando algum passageiro as esquece no bond. Um deles esqueceu anteontem um número do Pruth. Conhece o Pruth?

– Conheço.

– É um periódico radical de Londres, continuou o burro, dando à força, a notícia, como um simples homem. Radical e semanal. É escrito por um cidadão, que dizem ser deputado. O número era o último, chegadinho de fresco. Mal me levaram à manjedoura, ou coisa que o valha, folheei o periódico da Labouchére… Chamava-se Labouchére o redator. O periódico publica sempre em duas colunas notícia comparativa das sentenças dadas pelos tribunais londrinos, com o fim de mostrar que os pobres e desamparados têm mais duras penas que os que o não são, e por atos de menor monta. Ora, que hei de ler no número chegado? Coisas destas. Um tal John Fearon Bell, convencido de maltratar quatro

potros, não lhes dando suficiente comida e bebida , do que resultou morrer um e ficarem três em mísero estado, foi condenado a cinco libras de multa; aoa lado desse vinha o caso de Fuão Thompson, que foi encontrado a dormir em um celeiro e condenado a uma mês de cadeia. Outra comparação. Eliott, acusado de maltratar dezesseis bezerros, cinco libras de multa e custas. Mary Ellen Connor, acusada de vagabundagem, um mês de prisão. William Poppe, por não dar comida bastante a oito cavalos, cinco libras e custas. William Dudd, aprendiz de pescador, réu de desobediência, vinte e dois dias de prisão. Tudo mais assim. Um rapaz tirou um ovo de um faisão de um ninho: quatorze dias de cadeia. Um senhor maltratou quatro vacas: cinco libras e custas.

– Realmente, disse eu sem grande convicção, a diferença é enorme…

– Ah! meu nobre amigo! Eu e os meus pedimos essa diferença, por maior que seja. Condenem a um mês ou a um ano os que tirarem ovos ou dormirem na rua; mas condenem a cinquenta ou cem mil-réis aqueles que nos maltratam por qualquer modo, ou não nos dando comida suficiente, ou, ao contrário, dando-nos excessiva pancada. Estamos prontos a apanhar, é nosso costume; mas seja com moderação, sem esse furor de cocheiros e carroceiros. O que o tal inglês acha pouco para punir os que são cruéis conosco, eu acho que é bastante. Quem é pobre não tem vícios. Não exijo cadeia para os nossos opressores, mas uma pequena multa e custas, creio que serão eficazes. O burro ama só a pele; o homem ama a pele e a bolsa. Dê-se-lhe na bolsa; talvez a nossa pele padeça menos.

– Farei o que puder; mas…

-Mas quê? O senhor afinal é da espécie humana, há de defender os seus. Eia, fale aos amigos da imprensa; ponha-se a frente de um grande movimento popular. O conselho municipal vai levantar empréstimo, não? Diga-lhe que, se lançar uma pena pecuniária sobre os que maltratam burros, cobrirá cinco ou seis vezes o empréstimo, sem pagar juros, e ainda lhe sobrará dinheiro para o Teatro Municipal, e para teatros paroquiais, se quiser. Ainda uma vez, respeitável senhor, cuide um pouco de nós. Foram os homens que descobriram que nós éramos seus tios, senão diretos, por afinidade. Pois, meu caro sobrinho, é tempo de reconstituir a família. Não nos abandone, como no tempo em que os burros eram parceiros dos escravos. Faça o nosso Treze de Maio. Lincoln dos teus maiores, segundo o evangelho de Darwin, expede a proclamação da nossa liberdade!

Não se imagina a eloquência destas últimas palavras. Cheio de entusiasmo, prometi, pelo céu e pela terra, que faria tudo. Perguntei-lhe se lia o português com facilidade; e, respondendo-me que sim, disse-lhe que procurasse a Gazeta de hoje. Agradeceu-me com voz lacrimosa, fez um gesto de orelhas, e saiu do jardim vagarosamente, cai aqui, cai acolá.

10/jun./1984

In: ASSIS, Machado de. Fuga do hospício e outras crônicas. Para gostar de ler. 2ª edição. São Paulo: Ática, 2002.

 

Sequência didática sobre a diversidade através dos gêneros: carta aberta e música

Elisangela Rezende Rosa

Erika Consolata de Oliveira

Lais de Jesus Santos

Roselane de Santana Fraga

Simone Pereira da Silva

 

APRESENTAÇÃO

Esta sequência didática tem como objetivo fazer com que os alunos do 8º ano do Ensino Fundamental tenham um conhecimento mais aprofundado sobre o que é a diversidade. Desse modo, a questão será trabalhada através dos gêneros carta aberta; gênero que provavelmente nunca foi trabalhado em sala de aula devido ao fato de que ele não possui um caráter utilitarista, e o gênero música; mais acessível.

Ademais, este trabalho partiu de uma atividade referente à disciplina Laboratório para o ensino de Língua Portuguesa I, ministrada pela Profª Drª. Márcia Regina Pereira Curado Mariano, do departamento de Letras em Itabaiana (DLI), e tem como fundamentação a elaboração desse procedimento didático por etapas.

Primeiro, a partir de um sorteio, feito pela professora em sala de aula, em que eram definidos tanto a temática, quanto o gênero obrigatório para a elaboração da sequência. Em seguida, reunião do grupo para decidir qual carta aberta e qual outro gênero seria utilizado para trabalhar o tema. A partir disso, tivemos o momento de elaboração das questões gramaticais e de compreensão. Por fim, a proposta de produção textual e a proposta de avaliação, baseando-se em apenas Marcuschi (2008).

ESTRUTURA CURRICULAR

      8º do Ano Ensino Fundamental.

OBJETIVO GERAL

  • Fazer com que os alunos estejam mais cientes sobre a diversidade, bem como, sua abrangência de significado, pois existe uma pluralidade de diversidades.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

  • Fazer com que os alunos conheçam o gênero carta aberta, a partir do texto abordado na temática da sequência;
  • Mostrar que o gênero música possui uma abrangência de possibilidades, mostrando que nela também se pode trabalhar o tema da diversidade;
  • Focar na diversidade de cunho cultural, porém também expor os outros tipos de diversidade através de uma pequena introdução, antes de se trabalhar os gêneros propriamente ditos;
  • Propor atividades tanto gramaticais, quanto de compreensão textual sobre cada gênero abordado;
  • Trabalhar a relação entre coesão e conectivos e a compreensão do texto;
  • Propor uma produção textual de acordo com o gênero estudado;
  • Propor uma forma de avaliação.

DURAÇÃO DE CADA ATIVIDADE

       Aproximadamente, 50 minutos.

ATIVIDADE 1

A diversidade está ligada aos conceitos de diferença, oposição, pluralidade, multiplicidade, diferentes ângulos de visão ou de abordagem, heterogeneidade, comunhão de contrários, intersecção de diferenças ou tolerância mútua.

Visão Geral e Abrangência:

“Diversidade” é um conceito amplo, com aplicação em diferentes campos do conhecimento humano, entre os quais:

  • No campo do pensamento humano, a diversidade filosófica e a diversidade de opiniões ou pontos de vista sobre certo assunto;
  • No campo da antropologia cultural, a diversidade de hábitos, costumes, comportamentos, crenças e valores, e a aceitação da diferença no outro (chamada de alteridade);
  • No campo da cultura propriamente dita, tratada no âmbito da política internacional, da diplomacia ou da economia, a manifestação da diversidade por meio do multiculturalismo;
  • No campo da sexologia, a diversidade de manifestações sexuais, ou simplesmente “diversidade sexual”;
  • Nos campos da biologia e do meio ambiente, a diversidade biológica ou biodiversidade;
  • No campo da Lógica, a diversidade de soluções para um mesmo problema, usando ferramentas como a criatividade e a originalidade;
  • No campo da psicologia, as ideias de heterogeneidade e de singularidade;
  • No campo do direito, a diversidade de decisões judiciais sobre um mesmo assunto; e no direito comparado internacional, a diversidade de legislações sobre um mesmo tema;
  • No campo da publicidade e da propaganda, a difusão do discurso pró-diversidade.

a

ATIVIDADE 2

Carta Aberta contra a Repressão Artística e Cultural

Ítalo da Silva Oliveira (Presidente do D’ARTES –UNIVASF)

O Velho Chico se despede de sua filha que tanto inspirou os pescadores de outrora. Reza a lenda que a sua beleza escondia um perigo, pois seduzia os pescadores para depois afoga-los. Iara ou Mãe D’água é fruto de uma cultura imaterial popular que perdura por séculos. No Rio São Francisco não poderia ser diferente.

O Artista Plástico Lêdo Ivo, resolveu dar vida a imaginação quando materializou a lenda e colocou no local mais apropriado, no centro do rio, entre as cidades de Juazeiro e Petrolina. Contundo estamos em um ano de eleição para o poder executivo e legislativo municipal, portanto pessoas ligadas a coligações partidárias começaram uma série de ataques contra a liberdade de expressão.

A escultura foi associada a um dos orixás africano, a rainha do mar Iemanjá, como forma de preconceito para mexer na consciência do artista e do eleitorado petrolinense. Usar formas de preconceituosas, mensagens de ódio e intolerância religiosa. Estabelecer uma religião oficial, em um estado laico, fere com o direito de liberdade de escolha religiosa.

No dia 27 de setembro o vereador Osinaldo Souza (PP), na posição de vereador e consequentemente representante do povo petrolinense, usou a tribuna para chamar a escultura de demônio. Tais atos mostram o quão aquém estão os municípios circunvizinhos da diversidade cultural, racial e religiosa. Aliás, a única conotação de manifesto com essa obra foi puramente política, se a religião foi envolvida, foi porque foi estimulada…

A condenação de uma obra de Arte, nos remente ao período negro da história do Brasil, quando a ditadura militar intervia nas produções artísticas. A sociedade de Petrolina e Juazeiro está diante de ataque direto aos artistas, produções artísticas e acima de tudo a liberdade de expressão.

Damos nosso total apoio ao grande artista Lêdo Ivo, no qual tivemos o imenso prazer de tê-lo como colega no curso de graduação. Sabemos e reconhecemos a sua genialidade por deixar viva em nosso contexto as lendas que sempre habitaram o rio da integração nacional. E com pesar que a sua proposta esteja sendo desvirtuada por questões tão racistas. Vale ressaltar que o mesmo artista contemplou a cidade de Petrolina com um monumento do livro mais vendido do mundo, A Bíblia.

Não temos uma postura partidária, mas demostramos nosso total repúdio por quaisquer tipos de imposições e proibições de manifestações artísticas e culturais. A Arte é autônoma e tem os seus mais variados públicos, e por tal, deve ser respeitada por todos, principalmente por aqueles que pleiteiam está no poder máximo do executivo municipal.

Recentemente fomos testemunhas de um grupo que reivindicava a falta de cultura na cidade e esse mesmo grupo está calado diante desse absurdo. Estão-se estamos lutando pela cultura e permitimos isso passivamente, que direito temos de dizer que somos a favor da cultura?

Nesse momento sabemos que a obra de Arte irá para outro local. A obra foi vendida e está se despedindo do Rio São Francisco. Uma vitória da intolerância e o atestado de falência da nossa cultura.

Diretório Acadêmico das Artes Visuais–Univasf

QUESTIONÁRIO DE COMPREENSÃO TEXTUAL SOBRE A CARTA ABERTA

  1. A carta aberta é um gênero textual argumentativo em que o autor a escreve com a intenção de revelar sua opinião ou reivindicando algo. No texto acima, quais as reivindicações estão sendo feitas?
  2. A carta aberta em questão traz como conteúdo a repressão artística e cultural. Em que outros lugares são possíveis encontrar exemplos de textos como esse. Exemplifique.
  3. A carta aberta traz uma abordagem sobre a condenação de uma obra de arte, por que isso aconteceu? Explique.
  4. No penúltimo parágrafo, o autor realiza uma crítica e lança uma pergunta a fim de promover uma provocação. Ao que ele está se referindo? Esclareça com suas palavras.

QUESTIONÁRIO GRAMATICAL SOBRE A CARTA ABERTA

  1. O pronome demonstrativo no plural “tais” retomam nomes já ditos anteriormente. Levando em consideração essa informação, indique qual ou quais elementos o pronome está se referindo.
  2. Classifique a conjunção “pois” localizada no 1º parágrafo. Em seguida, reescreva o trecho em que ela aparece, utilizando uma nova conjunção, mas que ela não mude o sentido do texto.
  3. É possível observar no segundo parágrafo uma relação de contrariedade. Assim, qual conjunção estabeleceu essa ideia? Cite outros exemplos de conjunções que poderiam substituí-la, sem mudar o entendimento do texto.
  4. No último parágrafo da carta aberta, há um trecho que diz: “[…] a obra foi vendida e está se despedindo do Rio São Francisco”. Aponte a conjunção existente na sentença e formule uma nova frase, levando em consideração a conjunção da frase acima.

ATIVIDADE 3

Diversidade – Lenine

Se foi pra diferenciar                                         
Que Deus criou a diferença
Que irá nos aproximar
Intuir o que Ele pensa
Se cada ser é só um
E cada um com sua crença
Tudo é raro, nada é comum
Diversidade é a sentença

Que seria do adeus
Sem o retorno
Que seria do nu
Sem o adorno
Que seria do sim
Sem o talvez e o não
Que seria de mim
Sem a compreensão

Que a vida é repleta
E o olhar do poeta

Que seria de mim…
O que seria de nós

Que a vida é repleta
E o olhar do poeta
Percebe na sua presença
O toque de Deus
A vela no breu
A chama da diferença

Percebe na sua presença
O toque de deus
A vela no breu
A chama da diferença

A humanidade caminha
Atropelando os sinais
A história vai repetindo
Os erros que o homem traz
O mundo segue girando
Carente de amor e paz
Se cada cabeça é um mundo
Cada um é muito mais

Que seria do caos
Sem a paz
Que seria da dor
Sem o que lhe apraz
Que seria do não
Sem o talvez e o sim

QUESTIONÁRIO DE COMPREENSÃO TEXTUAL SOBRE A MÚSICA

  1. Qual relação pode ser feita entre a letra da música e a ilustração abaixo? Escolha uma frase da música ou crie uma própria frase que legende a imagem.

2. A diversidade para alcançar a sua completude necessita das diferenças, na música encontramos a estrofe “Que seria do adeus/ sem o retorno/ Que seria do nu/ sem o adorno” que representa muito bem essa ideia. Tendo isso em vista, traga pelo menos mais quatro exemplos como esse para acrescentarmos à letra da música.

3. Sabendo o conceito de diversidade, responda:

a) Cite exemplos de tipos de diversidade.

b) A letra da música se refere a um tipo específico de diversidade? Justifique sua resposta.

4. Baseando-se nas suas experiências de vida e no seu conhecimento sobre diversidade, você considera essa pluralidade algo positivo ou negativo? Por que?

QUESTIONÁRIO GRAMATICAL SOBRE A MÚSICA

  1. Na primeira estrofe da letra da música “Diversidade” do cantor Lenine, temos no segundo verso o uso do conectivo “que”. Levando em consideração o nexo que ele dá ao texto, transcreva a frase em que o “que” aparece utilizando dois novos conectivos, passando a mesma ideia.
  2. Em “Tudo é raro, nada é comum […] diversidade é a sentença”. Quais conectivos podem ser usados sem que o trecho acima perca sua lógica?
  3. A conjunção “se”, no início da música, é um conectivo que nos traz a ideia de subordinação causal. Desse modo, qual ou quais outras conjunções são equivalentes a ela? Rescreva a sentença substituindo-a mantendo o sentido da frase.
  4. Na música encontramos uma relação de coesão através do conceito de diversidade e das coisas que se completam. Quais conectivos o autor utilizou para que essa relação fosse estabelecida? Traga um exemplo.

ATIVIDADE 4

Tendo sido apresentada um exemplo de carta aberta, pede-se para que os alunos agora produzam a sua própria carta aberta, propomos que a produção seja ligada ao tema abrangente da diversidade. É importante mostrar para os alunos quais a sua estrutura, bem como, todas as outras características de uma carta aberta. Por exemplo:

  • Título – no qual se evidencia o destinatário;
  • Introdução – parte que se situa o problema a ser resolvido;
  • Desenvolvimento – diz respeito à análise do problema, no qual há a apresentação dos argumentos, fundamentando, portanto, o ponto de vista do(s) emissor(es);
  • Conclusão – elemento que geralmente se solicita uma resolução para o assunto em pauta.

ATIVIDADE 5

A proposta de avaliação se dá através da atribuição da pontuação a cada atividade feita.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Carta Aberta. Disponível em: http://brasilescola.uol.com.br/redacao/carta-aberta.htm. Acesso em: 16 de Abr. de 2017.

Carta Aberta contra a Repressão Artística e Cultural. Disponível em: http://www.gazzeta.com.br/carta-aberta-contra-a-repressao-artistica-e-cultural/. Acesso em: 1 de Abr. de 2017.

Diversidade. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Diversidade. Acesso em: 16 de Abr. de 2107.

LENINE. Diversidade. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/lenine/diversidade.html. Acesso em 16 de Abr. de 2017.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.